Apesar de não termos tido oportunidade de andar a dar umas
voltas pela pequena Saint-Louis, há duas certezas que nos acompanham: primeiro,
a bela da vila piscatória seria um fartote de belas fotografias, estivesse o
fotógrafo nos melhores dias. Segundo, as senegalesas são super jeitosas e fazem
homens e mulheres virar a cabeça para olhar segunda vez, uns os corpos
bamboleante, e outras as cores inebriantes das vestimentas. Isto também é
África.
Na viagem de regresso da seca que apanhámos por causa dos
vistos, o taxista explicou-nos que o bairro onde ficava o parque de campismo
era o mais carismático e popular da África Ocidental. E nem precisava. São centenas
de pessoas na margem do rio, entre pescadores, ajudantes, curiosos e crianças
em festa constante. Segundo o taxista, as casas funcionam no sistema de
rotação: enquanto uns trabalham de madrugada, outros ficam a dormir e revezam-se
ao longo do dia.
Infelizmente, a nossa estadia nesta bonita cidade ficou-se
pelo parque de campismo a cuidar do Daniel. Como já disse, deixámos o parque ao
final da tarde do segundo dia no Senegal de forma a evitar o calor da viagem. Mas
impossível foi evitar os milhares de buracos da estrada. Fomos avisados de que
este seria o pior trajeto, mas com malária a coisa triplica de dificuldade.
Foi uma noite a fugir de buracos maiores que a dívida
nacional e lombas do tamanho do Everest. Um verdadeiro teste de resistência
para toda a gente que, apesar de tudo, ainda valeu algumas gargalhadas. Claro que
de manhã a pedrada era enorme. Pequeno almoço improvisado debaixo de um mini
telhado de palha, paragem para dar conta da saída do Senegal (pois, para
sairmos é sempre a andar, não é?) e finalmente se ouve o belo do português. Sim,
senhor guarda, vimos de Portugal, somos irmãos e tal, mas, não, não somos
ricos. "Portugal é sempre mais rico". Ui, que as notícias não chegam
à Guiné…
Como já contei, a viagem até Galomaro ainda demorou bastante
e só lá chegámos à noite, depois de uma paragem para jantar em Bafatá. A propósito,
este país é mais húmido que todos os anteriores, dá aquela bela sensação de
respirar água. Hummm…
Mesmo sem se ver um palmo à frente, a chegada à casa do
chefe da aldeia, a quem ocupámos alpendre, jardim, casa de banho e água do poço
para banhos e cozinha, foi uma festa para toda a gente. Ali, moram umas 20
pessoas entre mulheres, filhos, sobrinhos e afins, segundo o lema de que,
independentemente de tudo, temos que tomar conta dos nossos.
Aqui, com algum esforço, o Daniel pôde distribuir algumas
das fotografias que tirou no ano passado, voltar ao hospital, à casa da
Domingas (aqui, a Coca-Cola não tem o mesmo sabor, mas, fresquinha, sabe à
última Coca-Cola do deserto) e ao pequeno Mala, o traquinas cá do sítio, de
sorriso tímido de início, mas contagiante com a confiança.
Ainda foi visto pelo médico de serviço, fez análises com o médico a chupar o sangue dele das veias para um tubo de ensaio (é bom que tenhamos noção destas condições quando nos armarmos em esquisitos seja com o que for) e, além depois de tratada a malária, o Daniel descobriu princípios de anemia e uma bactéria no sangue. Não há fome que não venha em fartura.
Em Galomaro, apenas tivemos tempo para montar uma cerca à
volta da casa do régulo (o chefe) e visitar o hospital e a escola primária,
onde deixámos alguns bens. Porque com o Daniel assim tão fraco não havia outra
coisa a fazer senão antecipar o regresso a Portugal. Só precisávamos de ir a
Dulombi cumprir o objetivo e seguir para Bissau.
Dulombi é uma aldeia muito mais pobre que Galomaro. Mais pobre nas casas, nas ruas, no comércio (acho que há uma padaria e mais nada), mas, essencialmente, nas pessoas. Os sorrisos que vimos em Galomaro não chegam aqui e a missão do pessoal que foi connosco é dar às crianças uma creche junto à escola, construindo-a do zero. Infelizmente, nós não pudemos participar desta parte do projeto.
A aldeia reuniu-se em volta da fotografia que o Daniel levou
para que seja colocada na escola dos miúdos e facilmente conseguimos encontrar
a maior parte dos craques fotografados, com os quais fomos até ao campo para
registar o momento. Depois, cada um levou uma cópia da imagem premiada, quase
que como agradecimento.
No pouco tempo que ali ficámos, o Daniel ainda conseguiu fazer um trabalho com a população, retratando-os em fundo negro, numa mistura de tonalidades que, na minha opinião, deu um resultado impressionante. Quase uma semana depois, o homem voltou a pegar na máquina para fazer um pouquinho de magia.
Depois do almoço, partimos para Bissau para, no dia seguinte, apanharmos o avião para Portugal. Bissau é uma cidade demasiado caótica para ser vivida com tanto calor e humidade. Mas a verdade é que também não lhe demos muito tempo de passeio porque o Daniel ainda aguenta poucas horas de azáfama e continua a precisar de descansar (toda a gente diz que é o remédio mais eficaz para curar a malária).
Apanhámos os belos dos mini autocarros da cidade, cheios de
gente e fomos apenas visitar um pequeno mercado de artesanato, onde nos
perdemos na conversa com uns mestres da escultura de madeira. Uns artistas. Da
tensão de que falam as notícias, nada vimos, mas sabemos que a cidade está em polvorosa
com greves, ataques violentos, raptos de crianças e afins.
A ver se o rapaz recupera para aguentar mais uma viagem,
tivemos mesmo que ficar pelo hotel (há quanto tempo não víamos uma sanita a
sério?), valendo as belas das refeições que por ali fizemos. E na memória
levamos também um micro aeroporto com portas de check-in
"abandalhadas" e polícias que querem armar problemas com o tripé do
Daniel mas acabam por ficar satisfeitos com um belo de um autógrafo na
fotografia que toda a gente viu na televisão.
Guiné-Bissau, havemos de nos ver mais vezes. Sejam as
condições mais propícias.